Personagem

Antiga casa de Pierre e Lili

De Buchenwald a Búzios


Por Françoise Bloch

Pierre André Bloch francês naturalizado brasileiro, nasceu em Paris dia 10 de março de 1926. Filho de um casal de comerciantes - Gabrielle Julie e Moise Marcel Bloch - foi escoteiro na infância e em plena adolescência passou a trabalhar na Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial como maquis, usando o sobrenome Brochard.

Recebia armas jogadas pelos aviões ingleses até o dia em que foi preso pelos alemães e enviado ao campo de concentração nazista de Buchenwald, onde amargou 10 longos meses trabalhando em mina de sal.

De volta à liberdade 20 quilos mais magro e com a saúde debilitada, levou o tempo necessário para recuperar-se e resolveu tentar a vida no Brasil, para onde veio em 1946. Trouxe consigo a Medalha dos Combatentes Voluntários da Resistência e a Cruz de Guerra com Palma. Muitos anos se passaram até que o Governo francês, ao localizá-lo, enviou seu tio Sylvain Bloch, para trazer-lhe a Medalha Militar, concedida somente a civis por bravura.

No Brasil, começou por São Paulo e depois Porto Alegre, onde conheceu a gaúcha Lilian com quem casou e foi morar no Rio de Janeiro. Trabalhou como comerciante, primeiro em jóias, depois com inúmeros produtos, até que no final de década de 60 começou a importar queijos franceses.

Percebendo que a grande maioria dos brasileiros pouco conhecia sobre o assunto, registrou a palavra degustação e resolveu ensiná-la. Importava queijos e vinhos e ensinava tudo sobre a degustação em cinco mesas instaladas num improvisado segundo andar de sua loja.

Mais tarde seu restaurante e ponto de venda de produtos "La Cave aux Fromages" passou a ocupar uma casa de frente para o mar, na praia do Leblon (o mar sempre foi uma grande paixão de Pierre). Trabalhava no andar de baixo e no superior morava com a família. Foi sem dúvida alguma o point da cidade. Jovens de todas as idades vinham comprar ou degustar e a clientela ia do embaixador Walter Moreira Sales a Chico Buarque.

Em 1978, desgostoso com o Governo brasileiro que proibiu a importação de queijos e super taxou a de vinhos (tentativa de incentivar a produção nacional), Pierre, que na época importava 20 toneladas de queijos franceses por mês para todo o país (só abriu exceção ao queijo português da Serra da Estrela) resolveu se aposentar e mudou-se para Búzios. Imediatamente recebeu inúmeros convites para abrir restaurantes ou associar-se aos já existentes, mas preferiu estudar detalhadamente a vida da cidade antes de pensar se desejaria ou não voltar a trabalhar. Alugou uma casa na Praia de Manguinhos durante um ano e depois comprou na mesma praia um terreno na beira do mar onde construiu. Aprendeu a degustar o pôr-do-sol em Búzios.

Da amizade com os pescadores de Búzios nasceu a paixão pela pescaria. Acordava às 4 da manhã e ia com eles buscar a rede deixada no mar na véspera. Chegou a ter sua própria traineira,mas às vezes saía sozinho em seu pequeno barco e pescava com linha de fundo. Foi quando descobriu que seus amigos pescadores devolviam ao mar os baiacus pescados, pois não sabiam como retirar seu veneno, o que tornava o peixe perigosíssimo para consumo. Desenvolveu uma técnica toda especial e passou a ensiná-la.

Pierre e amigos pescadores
Gaivotas curtem sua mesinha

Chegou a construir uma pequena mesa de madeira sobre a pedra que ficava no mar, bem em frente à sua casa, para que todos os pescadores pudessem ali limpar os peixes com sua orientação. E Búzios passou a apreciar as delícias da degustação de baiacús.


Pierre e Lilli dos Hibiscos

Sua mulher era conhecida na cidade como a Lili dos hibiscos pois cultivava 22 tipos diferentes da flor em seu jardim. Pierre nunca mais voltou a trabalhar como restaurateur e além da pesca passou a dedicar-se ao radio-amadorismo. Conversava com o mundo todo, ajudou a salvar barcos com problemas no meio do oceano e não perdia a chance de convencer os viajantes a se desviarem de sua rota original para conhecerem Búzios.

Pierre Bloch era considerado um homem folclórico e interessante a ser conhecido, tinha inúmeras histórias da Segunda Guerra Mundial, da "Cave aux Fromages", dos pescadores, dos veleiros perdidos no oceano, e sua casa era sempre visitada por amigos que queriam ouví-lo contar suas aventuras ou traziam amigos para conhecê-lo e ouví-lo.

Morreu de câncer, em 1995 e foi sepultado no Mausoléu dos Ex-Combatentes Franceses do Cemitério São João Batista no Rio de Janeiro, deixando viúva Lili dos hibiscos, duas filhas - Françoise e Francine - e dois netos - Aline Julie e Andrei.

Não concluiu seu livro "De Buchenwald a Búzios".


* Françoise é jornalista e filha de Pierre Bloch