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Apesar do acesso bastante deteriorado pela existência de um condomínio construído irregularmente nos anos 80 e que permanece como um exemplo do que a ganância imobiliária pode fazer, a Praia da Ferradurinha, com entrada pelo canto esquerdo da praia de Geribá é das mais bonitas da cidade. Por isso mesmo, sublime as coisas feitas pelo homem e ao chegar, olhe somente para o mar e as pedras que fazem da praia realmente uma ferradurinha.
Caso queira beber uma cerveja bem gelada ou degustar aipim frito na hora ou uma enchova grelhada, dê preferência ao Bar do Seu Anastácio, uma figura recentemente falecida, mas que soube viver a maioria dos seus 94 anos como pescador e que afirmava às gargalhadas que de vício na vida "só a paixão por muié bonita".
O antigo bar instalado na própria areia virou agora um quiosque coberto por madeira envernizada e os serviços são prestados pela filha Zila (Alzira, cozinheira e responsável pelos quitutes), o genro Adriel e a neta Juliana.E durante o seu lazer nessa praia, pare e faça um brinde ao Seu Anastácio, mais um dos ricos personagens da vida buziana.
PersonagemSeu Anastácio não ia à igreja, mas acreditava no Criador
No dia 30 de setembro de 2000, depois de 94 anos bem vividos, morreu Seu Anastácio, o pescador que ultimamente gostava de contar "causos do mar" aos freqüentadores de sua barraca que virou quiosque, nas areias da Praia da Ferradurinha.
Era ali, cercado pela família que, passava a maior parte do tempo, já que não saía mais para pescar com os companheiros. Com uma "saúde de pescador", praticamente não sofreu no curto período em que lhe descobriram problemas na próstata e uma grave crise hipertensiva que o levou ao hospital de Cabo Frio, onde logo morre.
Meses antes, em sua casa que construíra ainda no tempo da Aldeia de Búzios, contou sorridente detalhes de sua vida. Neto de portuguesa e de brasileiro que participou da Guerra do Paraguai, o buziano Anastácio Jorge da Costa, Seu Anastácio, não escondia nos olhinhos apertados a vivacidade de quem gostava de um bom papo, principalmente "se tivesse rabo de saia no meio".
Aos 94 anos, ralos cabelos brancos, trazia estórias na ponta da língua, como a do avô João Alegre que foi procurado numa madrugada pelos homens do Exército que o levariam convocado para nova guerra.O avô, já curtido pela desgastada Guerra do Paraguai, não queria enfrentar outra e, por isso, untou de óleo o corpo inteiro para evitar que o agarrassem e saiu batido pelo mato. Na perseguição frustrada, um dos soldados deixou a espada cair, arma que o avô pendurou na parede dizendo que era trunfo da Guerra do Paraguai.
Nascido na praia de Geribá, filho de Jorge Adriano da Costa e Amélia Francisca da Conceição, Anastácio aos sete anos já roçava feijão, milho e mandioca até na lua alta e, na lavoura ficou por 25 anos, quando desistiu porque "na hora de vender pro armazém nunca achava preço bom pros 30 sacos de feijão colhidos".
E como a maioria da juventude nativa buziana da época, dedicou-se à pesca. Ao Rio de Janeiro chegou de carona num dos barcos do entreposto da Praça 15. Dali viajou muito para a costa Sul do país, trabalhou em barcos de arrastão como o Itajaí e o São Francisco, mas como acontecia na lavoura, na hora de vender o peixe a fatia gorda era sempre do dono do barco" - contou.
Histórias de pescador tinha muitas, mas a que repetia era a do "tubarão de 1 mil 600 quilos que depois de limpo abrigou um pescador dentro da barriga".
Seu Anastácio, viúvo de Maria Antunes Amâncio, 12 filhos e netos "que jamais soube quantos", contou que "não bebia e, de vício, só muié bonita".
E, num gesto de respeito, olhou para o alto e agradeceu por tudo que tinha: - eu nunca fui à igreja, mas acredito no Criador - afirmou convicto Seu Anastácio.